Para vestir entre amigos e familiares ou para acender um debate com milhares de seguidores, mulheres 60+ interessadas no mundo fashion destacam que a tendência é vestir o que te faz bem.
Quando chegou aos 70 anos, Maria de Lourdes disse: “agora, tenho ‘brevê’ para vestir e falar o que bem entender”. Recém viúva, Lourdes anunciou que dali em diante nada a prenderia. Foi justamente usando um chapéu “diva italiana” (definição da própria) que sempre sonhou em usar, que dançou de rosto coladinho um tango em plena rua de Buenos Aires. Conhecida em sua cidade pela sua elegância sóbria, aos poucos foi incorporando cores ao look clássico. Não raramente combinava o preto de sempre com um All Star vermelho. Hoje, abusa de coloridas camisas floridas. E não se furta em dar sua opinião sobre tudo. Na maior elegância, claro, desde que provocada. Educação e bom senso são sempre moda. Maria de Lourdes é avó desde que vos escreve. Me perdoe pelo nepotismo. Ela certamente perdoará.
O fato é que os novos itens do vestuário de Dona Lourdes não são somente acessórios: são estampas de uma nova vida, uma vida onde se pode usar o que bem se quer. Esse movimento acontece ao mesmo tempo numa pequena cidade do interior de São Paulo, mas também na capital ou em Londres, Nova York. Talvez seja o espírito do tempo. Uma alegria enorme poder relatá-lo.
Veja, por exemplo, o caso da professora norte-americana Lyn Slater, 64 anos. Apaixonada pelo ofício de dar aulas e por moda, estava na fila de um desfile da semana de moda nova-iorquina quando, devido ao requinte de seu look, acabou confundida com alguma figurona do meio fashion por um jornalista. Da amiga que a acompanhava, ouviu que ela era “um ícone acidental”. Do chiste, criou o blog “Accidental Icon”. Com a ajuda dos alunos, montou perfis no Instagram e Snapchat. O motivo de Lyn era apenas um: abrir uma conversa inteligente. No fechamento desse texto, Lyn contava 748 mil seguidores no Instagram. Um ícone, realmente.
Qual o segredo do sucesso? Ser ela mesmo. “Tudo que produzo é um retrato do que sou, abraçando meu envelhecimento, meus cabelos brancos. Sou eu sendo eu. Sempre gostei de ousar, de moda, de combinar cores, de usar camisas descontruídas. Minha única regra é me sentir bem, confortável. Tudo sou eu”, conta Lyn em seu TED. O acidente a levou a desfilar em semanas de moda pelo mundo. Sua paixão por óculos escuros a levou a ser musa da marca italiana Valentino.
Ponte aérea Nova York para Londres, o aparecimento de ícones fashion acidentais também abraça homens. Lance Walsh é um vendedor de frutas nas ruas de Londres. Um dia, foi fotografado enquanto utilizava uma blusa Supreme. Viralizou. Mesmo sem Walsh saber o que é viralizar. Mas não fez de rogado. Ao lado dos filhos, criou um Instagram onde compartilha seu estilo street. E é fantástico. Walsh tem mais de 70 mil seguidores e seus looks diários cabem bem na vida de rua londrina atual.
A motivação de Claudia Grande se parece bastante com as intenções de Lyn Slater ou Dona Lourdes. Quando estava próxima de comemorar o aniversário de 60 anos, Claudia lidava com a escolha de um smoking para usar na festa, os dilemas do corpo, da vida. Sentiu vontade se exercitar, sentiu vontade de conversar, de dividir memórias, aspirações, dúvidas. Criou uma página no Facebook onde falava disso tudo, mas também sobre sonhos, roupas preferidas, as comidas que gostava de cozinhar, as músicas favoritas, filmes inesquecíveis. Bem, hoje a página de Claudia tem mais de 700 mil seguidores. Uma nova vida começava ali, começando aos 60 anos. Quando tinha acabado de se curar de um câncer, saído de um casamento de 33 anos e da empresa. Gostou da interação, alimentou a motivação: “inspirar mulheres desta idade a ter uma maturidade saudável, ser elegante, alegre e principalmente, fazer com que deixássemos de ser invisíveis”, conta Claudia.
Logo, o “Projeto 60 anos”, sua página, se transformou em referência para uma conversa franca sobre envelhecimento ativo e também, sobre uma de suas grandes paixões: o mundo da moda. Em um vídeo gravado em casa em agosto de 2020, Claudia disse uma frase que a conecta com as personagens já descritas nesse artigo: “O que é uma roupa adequada? É uma roupa que te deixa feliz, de bem consigo mesmo”.
“Ter consciência sobre sua moda requer maturidade e inteligência emocional. Quando se tem os dois fica mais fácil ter bom senso e não se importar com o que as outras pessoas pensam sobre sua aparência. Só depois de se sentir segura e autossuficiente, pode-se dizer que se faz moda própria e que o que existe por aí, não é dogma, mas sim inspiração. O espelho então, se torna nosso mestre”, explica Claudia em um bate-papo com o Conecta 60+.
“Com esta página, a moda, que eu sempre amei, entrou em primeiro plano na minha vida, e eu que já dava muito valor ao que vestia, hoje dou dicas, sugestões para mulheres como eu, que querem ficar bem vestidas mas sem usar roupas de velhas, que podem ter os cabelos sem pintar com muito orgulho sem parecer desleixada”, aprofunda Claudia, sua carta de apresentação.
Seguindo nesse espírito do tempo, Alyson Walsh é uma jornalista freelance, ex-editora de revistas de moda, que em 2008 montou o site “That’s Not My Age”, um espaço que ela criou para celebrar o envelhecimento ativo, a meia-idade. Principalmente porque ela sentia falta de espaços como o dela, para falar de forma elegante, inteligente, sobre estilo para os 60+. E quando se fala em estilo, não fala somente de moda. Mas de comportamento, de vida. Enquanto escrevia esse artigo, na primeira página do “That’s Not My Age” as matérias mais recentes tratavam desde dica de séries e filmes, da boutique da semana, a temas mais filosóficos sobre o que realmente precisamos para viver ou problemas um pouco mais mundanos como incontinência urinária. Tudo na maior elegância. “That’s Not My Age” foi eleito o melhor Fashion Blog de 2019. “Em mais de uma década, eu sou orgulhosa de poder dar algumas dicas de estilo, apresentar entrevistas, podcasts, estar na linha de frente de um movimento para empoderar mulheres e condenar o machismo e o etarismo”, conta Walsh em seu editorial. É esse o pensamento que motiva Claudia o Brasil: “Aos 30 estamos muito preocupadas em agradar para sermos aceitos. Aos 60 queremos mais nos agradar para termos bem-estar. Aos 30 o espelho é nosso inimigo. Qualquer defeito nos atinge. Aos 60 enxergamos além dos defeitos e quando os vemos, transformamos em troféus de sobrevivência e maturidade”, conta para o Conecta 60+, uma frase para pendurarmos em cima da cama.
A principal matéria em outubro de 2020 no “That’s Not My Age” tem o título: “Is the fashion industry ageist?”. Traduzindo: “A indústria da moda é etarista?”. Ou seja, até agora vimos todo um movimento de produção de conteúdo, de interesse em um mercado que, ao que parece, continua virando suas costas para o público com mais de 50. Alyson Walsh escreve no texto que uma pesquisa encomendada pela empresa SunLife (uma empresa de serviços financeiros dedicada a atender os maiores de 50), revelou que 56% das pessoas com mais de 50 não se enxergam na indústria da moda. E detalhe: os maiores de 50 representam 51% do faturamento total do mercado de moda britânico. Algo bem errado aí.
Claro que no Brasil não seria diferente. Uma pesquisa do IBGE de 2014 mostrou que mulheres com mais de 60 anos de idade querem as cores da moda, o modelo usado pelas mais jovens, mas adaptado ao seu corpo, e querem encontrar esse produto em uma loja de departamentos ou no comércio da esquina, não em lojas especializadas. Ou seja, elas querem ser incluídas. 36% dos entrevistados não encontram roupas com facilidade. “A indústria da moda só agora está despertando para este publico, que veste um número maior, pesa um pouco mais, tem formas mais arredondadas, mas quer estar fashion e bonita”, escreve Claudia Grande em seu site. Claudia também vê com certa desconfiança o espaço aberto atualmente para as modelos mais velhas pela indústria: “Vejo modismo e ser politicamente correto usar modelos mais velhas hoje. Não acredito em mudanças por acharem mulheres mais velhas bonitas em suas roupas. Querem estar na moda e é moda usar gordas, velhas, deficientes, trans, amputados. As revistas de moda hoje dão mais espaço para os diferentes”, alerta Claudia.
A pesquisa do IBGE também indica que os maiores de 50 representam uma renda que soma R$ 7,5 bilhões ao mês. Difícil entender porque a indústria da moda ainda não olha para esse público com mais atenção. “Claro que acompanhamos a moda. Estamos atentas a tudo que nos cerca, mas não somos comandadas pelas tendências. Adaptamos ao que já temos e somos livres para escolher usar as novidades ou não. Não considero frustração, mas desapontamento por modelos não terem nossa idade e não estamos representadas nos desfiles e nas revistas”, arremata Claudia para o Conecta 60+.
Talvez Iris Apfel tenha a resposta. Decoradora e ícone fashion, Iris disse à Vogue norte-americana que o mercado da moda, assim como muita gente que conduz seus negócios com laços muito apertados com as redes sociais, “as pessoas acabam sendo roubadas de suas verdadeiras imaginações, vivemos em uma cultura onde só precisamos pressionar os botões e então não imaginamos”. Vejam o documentário “Iris”, sobre essa grande figura fashion, tem na Netflix.
Se a grande indústria fashion não está prestando atenção no guarda-roupa dos 60+, os millenials estão. Uma das características dessa geração é seu encantamento com itens vintage, desde discos de vinil a aquele vestido que está guardado desde os anos 70 – tanto por uma atitude sustentável, de reciclagem, como para viver algo que admiram e não viveram. A moda atualmente também faz essa troca, essa ponte geracional, os nascidos após 1982 querem se vestir exatamente como você se vestia em 1971.
Mas não vai ser a cegueira da grande indústria que vai nos impedir de sermos quem quisermos ser. A criatividade de mais de cinco décadas de experiências está à flor da pele. Como o casal japonês Bon and Pon, casados há 37 anos e que fazem sucesso no Instagram com seus fofos looks… complementares. Adoráveis, chiques, impossível passear pelo perfil deles sem um sorriso no rosto. A verdadeira prova de que estilo não tem idade e que segurança se adquire com o tempo. “A melhor idade é aquela que chegamos com saúde, estabilidade financeira, sonhos e amigos. Se tiver isso, em qualquer idade estará vivendo melhor. Não estou na melhor idade. Estou na idade certa, no momento certo e no lugar certo. Então, estou no meu melhor momento. Sou feliz e estou inteira. Que idade melhor para descobrir isso? A que você diz isso sem pestanejar. É meu caso”, finaliza Claudia, com muita elegância.
Ou, como disse Coco Channel: “depois dos 40 ninguém é jovem, mas pode ser irresistível em qualquer idade”.